DO ENTRUDO MOLEQUE ÀS ESCOLAS DE SAMBA: Breve História do carnaval de Nova Friburgo



Carro da Batalha das Flores em Nova Friburgo



A primeira referência de carnaval em Nova Friburgo pode-se aferir do Código de Posturas de 1849, em seu art.137: “É absolutamente proibido o jogo denominado entrudo”. O entrudo é um antigo folguedo carnavalesco em que os foliões molhavam-se reciprocamente lançando água de baldes ou limões-de-cheiro ou então atiravam farinha numa espécie de batalha. Limões-de-cheiro ou laranjas-de-cheiro era o nome pela qual eram chamadas as pequenas bolas de cera recheadas de água perfumada. Apesar da proibição, pode-se constatar que o entrudo ainda era praticado em Nova Friburgo até o final do século 19, inclusive pela elite. Já no final desse século, o carnaval em Nova Friburgo era bem movimentado devido ao grande número de veranistas na cidade. Havia desfile de carruagens ricamente adornadas por motivos alegóricos cujo préstito percorria as ruas do centro da cidade. Havia ainda o desfile de carruagens da Batalha das Flores.


Eram carruagens ricamente adornadas de flores como camélias, orquídeas, rosas, etc. onde a elite local e veranistas, a exemplo da família de Rui Barbosa, desfilavam com garbo e elegância pelas ruas da pitoresca Nova Friburgo. Alegres foliões em retumbantes Zé-Pereira percorriam as ruas da cidade, atordoando os ares num zabumbar infernal com seus latões de querosene e gritando “formidolosamente” com todas as forças de seus possantes pulmões. O grande barato do carnaval oitocentista era manter-se no anonimato sob as máscaras e disfarces nos três dias de folia e aquela pergunta que ninguém agüentava mais ouvir depois dos folguedos carnavalescos: “Você me conhece”? Muitos vernistas que possuíam residências em Nova Friburgo abriam seus salões na segunda-feira, único dia em que não havia bailes nos hotéis, para folias petit comittèe. Dizia-se à época: “enquanto descansa-se…folga-se”. Ou seja, no dia em que se descansava dos bailes dos hotéis, se folgava nos bailes particulares.


Outrora prevalecia no carnaval a espirituosidade: Ia-se às ruas para ver e ouvir a “idéia e a pilhéria”. Eram críticas aos serviços públicos municipais como a distribuição de água, a iluminação precária, a sujeira das ruas, etc. Os rapazes que amavam a troça e a alegria, cheios de fina verve, preparavam-se para dar um “sortão” medonho nos três dias de carnaval. Até as marchinhas, a crítica social prevaleceu nas letras carnavalescas, mas depois passou a ser substituída por outros temas. Os cordões surgem a partir da segunda metade do século 19. Eram formados por grupos de foliões mascarados com feições de velhos, palhaços, diabos, reis, rainhas, índios, baianas, entre outros, conduzidos por um mestre e obedecendo a um apito de comando. Parecem ter sido cordões ao final desse século, em Nova Friburgo, os “Dominós Espirituosos” e “Caninhas Verdes”. Posteriormente, os cordões passaram a se denominar blocos e outros se transformaram em ranchos.



Na primeira metade do século 20 se percebe que o eixo dos três dias de folia girava em torno dos blocos. Passistas eram chamadas de “bailarinas”. Havia inúmeros blocos na cidade como “Manda quem pode”, “Quem e quais são eles”, “Sossega Serpente”, “Bloco do Boi”, “Mamãe eu quero”, “As Camisas Azuis”, “Bloco dos Abandonados”, “Os Leões da Avenida Quaresma”, “Alegres Foliões”, “O Palhaço quem é?”, “As Baianas do Hotel Roma”, “As 60 mortes”, “Lá vem ela chorando”, “A Lyra da Mocidade”, “Eu sou do Amor”, além dos blocos dos hóspedes dos hotéis. Oficiais e marujos do Sanatório Naval davam um show de evolução nos folguedos carnavalescos de Nova Friburgo com o bloco “Sossega Leão”. Há o registro de pelo menos dois ranchos: “Quem é bom não se mistura” e “As Estrelinhas”. Havia a competição entre eles nas seguintes modalidades: música, harmonia, canto, orquestra, conjunto, “maior número”[de componentes], evolução, elegância, estandarte, fantasia, enredo e “orientação”.


Há referência da existência do “corso” em Nova Friburgo. O desfile de carruagens enfeitadas com motivos florais é substituído por automóveis sem capota. O corso eram os passeios das sociedades carnavalescas numa tentativa de se reproduzir a Batalha das Flores. Como na Batalha das Flores, ao se cruzarem, os ocupantes dos veículos lançavam uns nos outros confetes, serpentinas e esguichos de lança-perfume. Como o automóvel era na ocasião restrito a muito poucos, não aparece em todos os carnavais de Nova Friburgo.




Acima: O Corso no Rio de Janeiro


Quando se inaugura na cidade os clubes de serviço como o Clube do Xadrez, Clube dos 50, a Sociedade Alemã de Nova Friburgo(depois SEF) e o elitista e seleto Country Club, o gret attention dos bailes carnavalescos da elite friburguense passa a ser nesses clubes. Outrora, os bailes carnavalescos eram realizados nos grandes hotéis da cidade como o Hotel Engert, o Hotel Central e o tradicional Hotel Salusse. Os bailes populares eram igualmente promovidos pelas sociedades musicais. Nos dias atuais, os bailes nos clubes de serviço decaíram vertiginosamente. Atualmente, os blocos compartilham com as escolas de samba o eixo principal no carnaval de Nova Friburgo. Os ranchos foram substituídos pelas escolas de samba. Na realidade, o rancho tem a mesma estrutura de uma escola de samba, sendo que a única diferença é que o rancho tem um ritmo mais lento. As pastorinhas, mocinhas recatadas que desfilavam nas escolas, foram substituídas pelos corpos desnudos das passistas, onde seios e nádegas são expostos em um exibicionismo catártico, simbolizando as pombagiras da religião africana, como definiu o antropólogo Roberto da Matta.


As pastorinhas




Infelizmente, a coreografia das escolas de samba eclipsou a figura do passista, aquele que tem o “samba no pé”. Oriundos em sua maior parte das classes populares, sambistas e passistas realizam os jogos de inversão hierárquica em relação às elites nos dias de carnaval. Concentram a atenção da sociedade em torno de si e se esmeram em tornar-se dominantes, os verdadeiros reis da folia. E SÃO!

Abaixo ilustrações do Entrudo:










Ilustrações do Carnaval na primeira metade do século 20. Paris, França.





Crédito da foto da Batalha das Flores: Acervo Castro.





No Response to "DO ENTRUDO MOLEQUE ÀS ESCOLAS DE SAMBA: Breve História do carnaval de Nova Friburgo"

Postar um comentário

AVISO:
É proibido usar palavras de baixo calão neste espaço.
Seja cordial com os outros comentaristas.
Ao fazer críticas, favor fundamentá-las.
Caso esses tópicos não sejam seguidos, os comentários serão deletados sem consulta prévia ao autor.

Related Posts with Thumbnails
powered by Blogger | WordPress by Newwpthemes | Converted by BloggerTheme