UMA CIDADE COSMOPOLITA - Um Inquérito sobre Nova Friburgo – Parte I

Cidade de Nova Friburgo - 1940






Hotel Engert e abaixo o salão do hotel.




No século XIX, surgiu a imprensa. Além do noticiário e da literatura, nasce a crônica e consequentemente, a figura do cronista. Muitos deles, ao invés de comentar os assuntos políticos, voltaram-se para a descrição de situações do cotidiano. Flanavam pela cidade, observavam os acontecimentos do dia, retornavam à redação e narravam o que presenciavam. Muitos descreviam suas impressões de viagem. E nesse último caso, foi graças a Arthur Guimarães, que publicou suas crônicas no livro “Um Inquérito Social em Nova Friburgo”, nos idos de 1916, que podemos conhecer um pouco sobre o município nessa época. Foi um período importante na história de Nova Friburgo.






Há cinco anos haviam se instalado as primeiras indústrias no município, e se por um lado parecia ter trazido desenvolvimento, por outro, problemas sociais. O deslocamento do campo para a cidade e a migração para Nova Friburgo, de acordo com o relato do cronista, originara um significativo contingente de população miserável, atraídos, possivelmente, pelo grande afluxo de turistas e notadamente devido à instalação das indústrias. Esta série compreenderá cinco capítulos em que conheceremos o perfil da população, o comércio, a indústria, a agricultura, sua vida material, enfim, o cotidiano do friburguense no início do século XX, pela lente desse cronista. Arthur Guimarães assim escreveu:


“Tem toda a razão o Sr. Alberto de Torres quando em seus notáveis escritos, assina que nenhum outro país pode, talvez, como no nosso, realizar o tipo de sociedade política cosmopolita. Nova Friburgo, a formosa cidade serrana situada na Serra dos Órgãos, a 880 metros acima do nível do mar, confirma o acerto. Nela existem e votam cidadãos de origens e raças diferentes[aqui ele quer ser referir mais às nacionalidades], perfeita e legalmente incorporados ao meio e à nossa pátria. Na vereança tiveram e têm assento alemães, suíços, franceses, portugueses, italianos e espanhóis. O alistamento eleitoral é composto de turcos [libaneses], dinamarqueses, ingleses e holandeses. Nos cargos públicos figuram, igualmente, portugueses, espanhóis e italianos. Em todos os ramos da atividade humana, ei-los representados, senão em troncos [os primeiros imigrantes], ao menos nas descendências.(...) É ordeira, não há dúvida, a população friburguense e, na sua generalidade, honesta. Não há roubos, senão esporádicos, cometidos por adventícios. Os crimes são espaçadíssimos. Poucas rixas, de taponas e ponta-pés, de raivas e de dores passageiras. Mas em compensação há bate bocas tremendos nos bancos da Praça Quinze [atual Praça Getúlio Vargas], por questões partidárias, prenhes de ameaças, descomposturas e esconjuros. A política empolga, agita, absorve, quer a elite da terra, quer os seus satélites.(...)No auge da luta, quase todos perdem a compostura, salvo honrosas exceções, pondo máscaras, como os carnavalescos, para dançar a tarantela costumeira na folia partidária. (...) Numa cidade de seis a oito mil almas [aqui refere-se à população do centro da cidade], como Friburgo, há três folhas hebdomadárias [jornais], retintamente partidárias, quando poderiam existir só duas, uma diária e noticiosa. As fraudes eleitorais são cometidas à luz meridiana. Só encontram esfarrapada desculpa no serem miniatura das feitas nos grandes centros. Exemplo do alto. E fraco consolo é saber-se que, em todos os tempos, mais ou menos, o mal lavrou os nossos arraiais políticos.(...)
Florescem criações admiráveis. A nossa falta de persistência deixou-as morrer. Assim, a criação desse estabelecimento hidroterápico, fundado e dirigido por ilustre médico, o Dr. Eboli[refere-se ao Instituto Hidroterápico que faliu em 1895, dez depois do falecimento de Eboli]. A tradição só recolheu duas coisas: um grande edifício, com pequena parte dos aparelhos hidroterápicos, hoje servindo de colégio das Irmãs Doroteias, para meninas (internato) e uma inscrição, em pedra mármore, na face externa da parede, correspondente ao local das duchas, assim concebida: ‘Ao benemérito italiano Dr. Carlos Eboli, fundador deste estabelecimento hidroterápico, 1881-1884. Obra de seu saber, fonte de vida, renome e glória de Nova Friburgo. Homenagem de seus admiradores. 25 de junho de 1909.’ (...) Na seção hidroterápica do formulário de Chenoviz (17° edição), há uma descrição completa do estabelecimento, do Hotel Central, com 180 cômodos, e todos os elementos de bem estar e conforto, além de dados climatérios e atmosféricos, abonadores da privilegiada montanha. Na fachada lateral figuram ainda, em pintura desbotada, estas palavras melancólicas: Hotel Central – Duchas. Nada mais recorda o criador e sua inteligente iniciativa. (...) E onde se tratavam saúdes
de adultos, onde estivera a vida, a instrução trata almas de crianças.




Instituto Sanitário Hidroterápico e Hotel Central em Nova Friburgo




Outros estabelecimentos seletos desse período áureo merecem menção. O Colégio Freese, o Liceu de Humanidades e o Chateau, este fundado pelo barão de S. Valentim, naturalmente no edifício municipal em que, outrora, se hospedara o Imperador, desapareceram. (...) Ressurgiu no local do Chateau, o Colégio Anchieta, hoje monumento grandioso. Onde fora plantado pequeno arbusto, surgiu frondosa árvore. Onde se curou do corpo enfermo, trata-se hoje do corpo são e juvenil. (...) Qual o viver do povo? Simples, calmo descansado. Algumas vezes, os veranistas perturbam-lhe o doce viver. Perturbação compensada pelos lucros espalhados pela terra. Os hotéis, em número de cinco, Friburguense, Leuenroth, Engert, Salusse e Pensão Central, regurgitam no verão, de novembro a maio.


As barbearias, as cocheiras, as casas de alugar bicicleta, os cinemas, o rink, o teatro, acusam dobrada e tripla frequência nesse tempo do ano. Também os proprietários lucram, alugando casas por preços mais elevados e os caros e as bicicletas circulam, de manhã à noite...”


Segunda parte: “Os Bas-Fonds friburguenses”.
















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